quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Moda. Arte ou futilidade?

(I promisse i'll translate it)

Tenho-me questionado acerca da abrangência e dos limites do termo moda.

Chalayan
 O dicionário da Porto Editora define moda como "uso corrente; costume; gosto; fantasia; maneira essencialmente mutável e passageira de se comportar e sobretudo, de se vestir". À partida o termo moda aponta para isso mesmo: uma coisa efémera, a generalização de um uso num dado momento da história. Isto significa que temos dois binómios: massas e padronização. Massas porque a generalização de um dado comportamento ou estilo vestimentar atinge o grosso das pessoas de uma comunidade (com a globalização essa comunidade tornou-se incrivelmente vasta). E padronização porque a maior parte das pessoas passa a comportar-se ou a vestir-se de modo semelhante. E depois há o lado mercantil e consumista que decorre de tudo isto, que encerraria a moda numa camisa-de-forças de futilidade. E a história acabaria aqui. Moda englobaria os costumes e comportamentos e toda a indústria de vestuário e acessórios. Neste momento parece-me até que o termo moda consegue abarcar também o Lifestyle (os termos aparecem geralmente associados).

Alexander McQueen
 Mas então onde é que ficam os trabalhos de grandes designers como Alexander McQueen ou Yohji Yamamoto e outros que tais? Se virmos o vídeo publicado abaixo sobre momentos icónicos do trabalho de McQueen aquilo já não tem a ver propriamente com moda no sentido que acima descrevi. Tem sobretudo a ver com arte. O Streetlights fez um comentário muito pertinente a este respeito: A moda tem quase tudo a ver com futilidade, o estilo é que não. A própria palavra moda indica isso, significa algo passageiro. O trabalho do McQueen, como o Chalayan, só para citar contemporâneos, transcende a moda ou criação de roupa, é arte conceptual mas que usa o vestuário como meio de expressão. 

Rei Kawakubo para Comme des Garçons
 Mas então como se define a fronteira entre aquilo que é moda e aquilo que é arte?
No vídeo do McQueen, por exemplo, não nos limitamos a ver uma obra conceptual, aquilo também já é arte performativa, o que nos coloca perante um problema de definição. Até porque as obras dos designers citados surgem sempre integrados em desfiles e semanas de moda e não em exposições de arte conceptual. Embora já sejam feitas retrospectivas de carreira nestes moldes - a "Savage Beauty" de McQueen no Metropolitan Museum of Art (NY) ou a exposição dos 17 anos de carreira do Chalayan no Musée des Arts Décoratifs (Paris) - a "fonte" destas obras são os desfiles de moda, é para estes que elas são criadas.

Junya Watanabe
Aquilo que me parece, muito pessoalmente, é que o conceito moda é muito vasto e tem múltiplos sentidos. Tem geralmente a ver com usos e costumes, com indústria e com padronização. Mas consegue ter um alcance muito maior e chegar até à arte. É giro pensar que, mesmo numa pequenina escala, também algumas pessoas - porventura mais criativas - conseguem criar um efeito artístico (vamos chamar-lhe assim) - no que vestem e nas combinações que fazem. Às vezes o termo moda parece poder conter em si a sua definição mais imediata mas também o seu contrário, o que é uma questão muito interessante. Não esquecer que a Porto Editora inclui a expressão "fantasia" para definir o termo, o que já aponta para outro caminho, precisamente o da arte. E que lhe dá muito maior complexidade do que muitos gostariam de supôr.


Gostava muito de saber a vossa opinião acerca deste tema. Discordam de alguma coisa? O que acrescentariam?

4 comentários:

  1. Olha, fico muito contente que o meu comentário te tenha deixado a refletir sobre este assunto. Eu estudo moda há três anos (e posso garantir-te que há uma diferença muito grande entre gostar de moda e estar atento às novidades das revistas, estudar moda e fazer moda), e noto que existem muitas perguntas em relação a esta área a que ninguém consegue dar uma resposta concreta. Uma delas é a fronteira entre a arte e a moda.

    Nós enquanto seres humanos, temos uma necessidade natural de categorizar e meter os assuntos todos em gavetas para nos sentirmos organizados, mesmo quando esses assuntos não precisam de categorias. Quando falamos de moda falamos de três coisas: vestuário > design > consumo. São três premissas básica porque moda é tu pegares numa peça de vestuário, dar-lhe um novo design (o que implica criação, sem que esta tenha necessariamente que ser arte) para venderes ao teu público-alvo.

    Dentro da moda e do design tens uma categoria que se chama Alta-Costura, destinada ao mercado de luxo e que cruza inúmeras vezes a moda com a arte e o artesanato (todos aqueles berlicoques da Chanel, as jóias, os debruados, não são mais que artesanato).

    Dentro do Design de Moda também tens uma linha de designers muito conceptuais e que fazem um cruzamento entre o produto e o processo de design com conteúdos artísticos, como o Chalayan ou a Lara Torres, e que, inclusivamente, para muitos críticos não são considerados designers e são, de certa forma marginalizados porque não sabem em que categoria os colocar. Há quem lhes chame 'investigadores de moda'.

    Depois temos artistas polifacetados que utilizam o vestuário e a indústria da moda (atenção, não é o conceito 'moda') como meio de expressão. É como se uma tela não fosse suficiente e preferem um vestido para exprimir o seu trabalho, e são, ao mesmo tempo categorizados como designers de moda. O Mcqueen é um destes casos, e tu falaste em desfiles de moda, mas o facto é que estes nomes que eu referi agora, não se contentam com essa designação mas sim com happenings e aqui sim consegues ver a vertente artística de forma mais premente. O Mcqueen só fazia happenings e o exemplo mais imediato disto foi quando colocou uma manequim com um vestido branco no meio da passerela (ou palco) e jatos de tinta começaram a ser lançados e pintavam o vestido in loco. Ou seja, a obra de arte estava naquele momento a ser feita. Isto vai muito além do design. O que era o design ali? Um (quase) nada. E vai muito além da moda, aliás, para mim não é moda. Como tu viste no dicionário, significa o que é passageiro mas em relação à palavra 'fantasia', penso que isso remete mais para a futilidade do que propriamente para a criação.

    Para te dar um exemplo de design + vestuário + arte (happening), nada melhor que a primeira imagem deste post.

    É óbvio que isto confundo milhentas cabeças que se debruçam a refletir sobre isto mas que não chegam a nenhuma conclusão porque as coisas não são assim tão lineares. Com tu consegues perceber pelo que eu acabei de escrever à tantos cruzamentos entre áreas que facilmente perdes-te a tentar encontrar designações, porque a maioria dos designers de moda (nome ridículo com que se categorizam artistas, designers de moda, investigadores de moda, tudo e mais alguma coisa como uma sopa da Knorr) não são uma coisa nem outra, não são carne nem peixe, são um cruzamento de várias coisas e estão ali no meio de várias categorias.

    Não sei se me fiz entender, mas eis a minha opinião. :)

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  2. amazing!!! thanks for this post!
    kiss
    HF

    http://www.the-hf-blog.blogspot.com/

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  3. Acho que o teu comentário foi a contribuição mais rica e informada que já tive em todas as minhas discussões acerca deste assunto. Muito muito obrigada. E ao contrário do que possas pensar foste muito claro no que expuseste - falar com alguém do métier é todo um outro mundo ;)

    Posso dizer que concordo contigo em tudo e, apesar de não ter estudado moda, venho de uma área artística (teatro) e tenho a noção da enorme diferença que é gostar de moda e estar atento às novidades e criar moda, estudar moda. É como comparares um Sean Penn a um puto que faz morangos com açúcar - à superfície, apesar de existirem algumas similitudes no trabalho de ambos, não tem nada a ver.

    E a maior das verdades foi o que disseste relativamente à nossa necessidade de categorizar as coisas. É um bocado estúpido até porque nos dias de hoje as áreas são tudo menos estanques e tudo se cruza. E entertêmo-nos a dividir as coisas por gavetas como se elas não estivessem todas interligadas. Bom, mas como dizes é uma necessidade estrutural das pessoas.

    Apesar de tudo a palavra "moda" continua a intrigar-me. Podemos considerar que a criação de roupa não é necessariamente arte - completamente de acordo - mas a verdade é que existe algum vestuário a que concedemos o estatuto de artístico. Quando é que isso acontece? Em que momento é que a moda passa a arte? No caso do happening do vestido do McQueen a ser pintado "em cena" (e repara que já estou a usar termos roubados às artes performativas) a arte está ali a acontecer ao vivo. Mas e nos outros casos? E o McQueen também fez moda - ou não?

    Deste vários exemplos de criadores e artistas que trabalham sobretudo o artesanato, outros para quem o design é o foco, outros que usam as roupas como meio de expressão artística mas todos eles (independentemente de o seu trabalho ser considerado mais ou menos artístico) se movem dentro deste grande bolo chamado "moda". E é isso que me leva a pensar que a definição de "moda" já é mais rica e complexa do que no passado, que tem mais facetas que não só o lado passageiro e consumista da coisa (será que estou a fazer uma grande confusão?)

    Ainda assim, no final de tudo, o que me parece prevalecer é mesmo a abundância dos cruzamentos de que falaste e a impossibilidade de categorizar trabalhos que estão "in-between". Hoje em dia nada é estanque e as categorizações tornam-se redutoras, certo?

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  4. Tiago Loureiro, StreetLights.ptsábado, dezembro 31, 2011

    Hello, estás à vontade para traduzir o comentário, ainda bem que foi esclarecedor e espero que também o seja para os teus leitores! Beijinhos e bom ano novo!!! :)

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